sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Era esse o calor. Era exatamente esse o calor da xícara de chá de louro e do vermelho do batom que estavam entre os preparativos para o primeiro passo dado com as meias pretas. 
Por que as meias em Fevereiro? 
Ora, por que tanta festa e tanto calor em Fevereiro?
Não foi preciso responder a nenhuma dessas perguntas porque o calor, as meias, o chá, o sangue, as coincidências e o encontro e os seus desdobramentos fluíam muito bem. Tão bem, que era fácil lidar com os blocos de calor, alinhavados um a um pelos passos, agora livres das meias, na direção Oeste e de outra falsa e mágica realidade a cada encontro. E a cada encontro ficavam elástico, vestido, leite, touca; e voltavam fios de cabelo. 
Enquanto isso o clima abrandava - que bom, o frio! - até (de repente, quase simultanemante) a geada. Não foi longo o inverno, como poderia ter sido, foi até fácil juntar o leite derramado, dar novo significado ao vestido, devolver os fios de cabelo e calçar os 3/4 de agressividade do frio.
É certo que houve tentativas de apagão, que foram destruídos os mapas poéticos de construção, que parte das pernas congelou. E que, outra vez, quase simultaneamente, o calor voltava a incomodar. Mas de algum modo tudo se passou como se nada tivesse derretido ou sucumbido. As folhas, as flores, todos os blocos de novos trinta dias passaram sem trincar e sem que fosse preciso contar. Por que contar agora então?
Não contou nem um segundo. Nem mesmo contou com a possibilidade desse calor, exatamente esse calor, voltar arrastando as meias, a agressividade, os fios de cabelo, a raiva, o leite derramado, a manipulação da luz, as coincidências, a covardia.
Quantos anos cabem em um nunca mais? 
Quantos blocos de calor será preciso descosturar para passar?
Para que evaporem as lembranças tristes que doze meses depois desatam e desaguam sem avisar.